Estávamos em 2008.
Os chineses não queriam aceitar o terreno disponibilizado para a construção do Palácio da Justiça. Diziam, e com razão, que era pequeno e não permitiria construções de posterior alargamento; que era muito baixo e desnivelado, logo iria precisar de muito aterro; que estava ao lado de um Banco e junto de um Hospital (o Militar) e não seria adequado construir um Palácio da Justiça nessas proximidades; ademais, acrescentavam, o ideal seria que o edifício do órgão judicial se enquadrasse nas proximidades do Palácio do Governo, cujas obras já se haviam iniciado.
Era domingo. Dirigi-me a uma zona junto ao QG, para importunar o descanso do PM, que se encontrava em convívio com os amigos. Anunciei-me e, em jeito de SOS, disse: «_Preciso de ver Abel Incada, é um assunto urgente. Preciso de um terreno dele, pois os chineses, a equipa técnica, chegam na 3.ª feira e tenho que ter uma resposta.» Poucos minutos depois, chegou Abel Incada. Homem altíssimo, comerciante, Conselheiro do PM e dono do terreno implorado. Numa situação um pouco caricata, a um canto e fora do convívio promovido pelo PM, Abel Incada ouviu atentamente a minha súplica: «É para o Estado e para a nossa Justiça! Não temos infra-estruturas!» Depois de praguejar um pouco, ficou pensativo e, mais para me acalmar, finalmente falou, de forma muito serena: «_É muita diferença. Tinha projectado construir um hotel nesse terreno. Mas deixa-me pensar, amanhã digo qualquer coisa.» Quase não dormi nessa noite.
Pouco passava das 9 da manhã quando Abel Incada me entra pelo Ministério adentro e me atira à queima-roupa:
- Fique com o terreno.
- Contrapartidas? – disparei, de forma igualmente curta e objectiva.
- Nenhuma. Permuta. Troca por troca, pelo terreno desprezado – respondeu.
Assim foi… Obrigada por mim e por todos nós.
Pudessem todos os políticos sentir o apelo do interesse público e nacional.
Descansa em paz, Abel Incada.
Carmelita Pires, ex-Ministra da Justiça e Presidente do PUSD
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